sábado, 26 de novembro de 2011

Especial - 20 anos sem Freddie Mercury


24 de Novembro de 1991. Esta data marca a retirada de mais um tijolo do muro da sólida música internacional. Após vários terem sido retirados, como Elvis Presley e John Lennon, temos a sensação de que a força musical que teve seu ápice durante tantos anos, está enfraquecendo cada vez mais. E a perda de Freddie Mercury é mais uma destas sensações amargas que sentimos mesmo após anos passados. A falta que Mercury faz para o Rock é a mesma que Michael Jackson faz para o Pop. São peças insubstituíveis no mundo da música que enfraquecem o colosso erguido nas épocas douradas da música e que ainda sobrevivem, ainda que superficialmente, através de artistas como Stevie Wonder, Bruce Springsteen e vários outros.


Nascido em Zanzibar, África Oriental, o jovem Farrokh Bulsara (nascido em 5 de Setembro de 1946) tinha um sonho reprimido em seu mundo secreto. Junto com várias aspirações e segredos que estavam guardados dentro de si, o sonho de ser uma estrela, de ser amado e idolatrado escondia-se atrás de uma figura chamada Freddie Mercury. Com o tempo, a criatura tomaria conta deo criador irremediavelmente.

Farrokh sempre foi alimentado com cultura ocidental, o que foi definitivo para moldar sua figura e seu coração musical. Lia as tragédias de Shakespeare e ouvi com entusiamo o Rock de Elvis Presley e Little Richard e admirava o Blues norte-americano, sendo inspirado por cantoras como Billie Holiday, Dinah Washington e Sarah Vaughan. Quando Farrokh foi enviado para estudar longe dos pais, recebeu o apelido de Frederick, que depois foi abreviado para Freddie. Neste período, ele estudou, além das disciplinas tradicionais, música e interpretação, com grande ênfase em ambos. Com 12 anos de idade, participou de sua primeira banda, o The Hectics, com influências de Cliff Richard e Little Richard.

Acredito que esta foto seja a do The Hectics (com Freddie no meio)

A família Bulsara acabou por deixar Zanzibar em 1964 por motivos políticos e foram para Londres. A confortável vida que tinham devido ao trabalho de Bomi Bulsara, pai de Freddie, para o governo britânico proporcionava uma vida mais luxuosa, com babas e motoristas. Mas em Londres a realidade foi outra. Bomi e Jer, mãe de Freddie, tiveram grandes dificuldades de adaptação, mas para Freddie aquilo tudo soava espetacular. Era a vida que queria e que em Zanzibar não teria nunca. E depois de se formar em Arte e Design Gráfico, ele se sentiu livre para tentar investir e viver de sua arte.

Participou de uma banda chamada Ibex (que, mais adiante, mudou seu nome para Wreckage), enquanto a banda Smile (que tinha como membros Brian May, Roger Taylor e Tim Staffell) fazia moderado sucesso. No Wreckage, Bulsara mostrava seus instintos no palco que impressionavam a todos. Foi neste período que, durante uma nervosa apresentação, Bulsara arrancou a haste do microfone do pedestal sem querer, e ele acabou por improvisar em cima disto. Este erro acabou consolidando um dos atos mais famosos dele no palco. Outra banda que participou, o Sour Milk Sea, serviu também como mais um degrau em sua jornada pelo sucesso. Como ele precisava de um grupo que tivesse a mesma pretensão que ele (e não viu isso nestes grupos), acabou os deixando de lado para procurar algo mais condescende com seus ideais.

Não muito tempo depois, Staffell deixa o Smile e Freddie acaba sendo membro da banda, que mudou seu nome para Queen, por sugestão do próprio. Após passarem três baixistas, um deles inclusive tentando tomar o lugar de Freddie no cargo de performer, John Deacon acabou assumindo a vaga e consolidando um dos maiores grupos da história do Rock.

O Sour Milk Sea, com Freddie do lado esquerdo da foto, em 1970

Desde então, o grupo começou a trabalhar suas canções e sua presença de palco. Durante a composição da canção "My Fairy King", do primeiro álbum, Freddie terminou de definir sua persona pública, se auto-intitulando Freddie Mercury (a canção contém a linha "Mother Mercury/Look what you're done to me/I cannot run I cannot hide"). Estava moldado ali um novo homem. Farrokh Bulsara dava lugar agora ao icônico Freddie Mercury.

Um dos grandes atos do Queen foi abrir shows para a banda Mott the Hoople em 1974, e acabaram roubando a cena, sendo mais populares que a atração principal. Conforme a banda ia se desenvolvendo e adquirindo seu espaço, eram proporcionalmente explorados pelo empresário Norman Sheffield, que lhes pagavam honorários medíocres mesmo com o progresso incrível da banda. Através do advogado Jim Beach, o Queen conseguiu um acordo para se livrar de Sheffield e assim continuar. Foi então no álbum A Night at The Opera (álbum da clássica "Bohemian Rhapsody") que Freddie escreveu uma "homenagem" para o ex-empresário, "Death on Two Legs (Dedicated to...)", onde o Queen libera toda sua ira e cólera contra o explorador Norman.

O Queen nasce e conquista pouco a pouco seu território

Os anos 70 mostraram-se muito produtivos para a banda, diversos clássicos do Rock foram forjados pela banda e dominaram os ouvidos do mundo. "Killer Queen" e "Now I'm Here" do álbum Sheer Heart Attack. As duas foram os cartões de entrada da banda para o mainstream.

As quatros grandes canções do A Night at The Opera escritas por cada membro da banda ("Bohemian Rhapsody" por Freddie, "I'm in Love With My Car" por Roger, "'39" por Brian e "You're My Best Friend" por John - que teve que aprender a tocar seu piano elétrico, já que Freddie se recusou a tocá-lo por considerar o instrumento horroroso).
"Bohemian Rhapsody", o Magnum Opus da banda fez um sucesso incrível, apesar de inicialmente ter sido esnobada pela crítica. Cada membro da banda cantou as canções citadas, com exceção de John Deacon, que não considerava sua voz boa o bastante para competir com seus companheiros.

A solitária canção de Freddie, "Somebody to Love" do álbum A Day at The Races mostra um lado forte de Mercury, o lado em que procura alguém para amar e ser amado enquanto vive as batalhas da vida. Durante toda a vida, Freddie procurou este alguém e escreveu sobre (um exemplo que trata desta solidão é "Living On My Own" (que teve o vídeo-clipe gravado durante uma festa de comemoração de seus 39 anos em Montreal) do seu primeiro álbum solo, Mr Bad Guy.

Os imortais hinos "We Will Rock You" e "We Are The Champions", de Brian e Freddie, respectivamente. Freddie escreveu "Champions" pensando em um hino de vitória, especificamente no futebol. E a pretensão de Freddie foi além, sendo esta uma das canções mais lembradas e cultuadas da banda. E no último álbum dos anos 70, Jazz, saíram as pérolas "Fat Bottomed Girls", "Bicycle Race" (com seu vídeo-clipe que mostra mulheres nuas andando de bicicleta) e "Don't Stop Me Now", animada e frenética canção de Freddie do qual Brian May admitiu não gostar muito (sua participação na canção foi apenas um solo de guitarra).

Uma nova era para o Queen

Os anos 80 foram uma época de tremendas reviravoltas. A começar pelo visual de Freddie, que adotou um imagem mais masculina, com cabelos curtos, bigode e roupas de couro. Com dois projetos no começo da década, a trilha-sonora do filme Flash Gordon e o álbum The Game. Com este álbum, tivemos clássicos como "Play The Game", mas uma canção sobre encontros e desencontros amorosos, a meio Rockabilly "Crazy Little Thing Called Love" (composta por Freddie enquanto estava numa banheira!), a linda "Save Me" e a possivelmente mais famosa canção da banda, "Another One Bites the Dust", de John Deacon. Foi esta canção e a mudança geral no cenário musical que fizeram Freddie e John insistir num som mais voltado para o Funk. Brian e Roger não acreditaram muito no futuro com isso, mas resolveram tentar. Foi nesta tentativa que Hot Spaces foi concebido. O álbum foi meio que um choque musical, pois não tinha exatamente o que o público estava acostumado. Canções como "Back Chat" e "Cool Cat" são memoráveis, mas o que salvou o álbum foi a colaboração com David Bowie na faixa "Under Pressure", que nasceu de uma jam entre o cantor e a banda - David também participou da faixa "Cool Cat", mas pediu para ser retirado do projeto, por não ter achado satisfatório.

Renovação e as velhas raízes

No álbum The Works, de 1984, o Queen voltou com seu velho Rock e ainda mantendo o recém experimentado Funk em seu som. Um grande exemplo disso é "Radio Gaga" de Roger Taylor. "It's a Hard Life" é uma bela canção de Mercury ao piano e "I Want to Break Free" de Deacon se tornou um dos maiores sucessos da banda. Freddie, que nesta época estava amorosamente envolvido com Barbara Valentin, ainda estava em sua busca do grande amor, e parecia não ter encontrado isto em Barbara. Apesar de sua carreira estar no topo, o amor ainda não tinha o encontrado. No ano seguinte, sai o álbum Mr Bad Guy, com o trabalho solo de Freddie. Não foi um grande sucesso, mas mostrou o que Freddie queria expressar fora da bolha musical do Queen. "I Was Born to Love You", "Made in Heaven" e "Living on My Own" são bons exemplos da capacidade musical de Freddie como artista solo - e também demostram a carência afetiva do astro.

Dois grandes momentos para a banda foram sua participação no Live Aid e as duas noites no Rock in Rio. No Rock in Rio, o Queen foi considerado a maior atração do festival que contava com a participação de Iron Maiden, Whitesnake, AC/DC, Scorpions, Rod Stewart e Yes. Foi declarado por eles que a versão tocada no festival de "Love of My Life", com o acompanhamento da platéia, foi a mais bela já feita por eles.

No Live Aid, mostra a banda simplesmente dominando o espetáculo e se destacando com a melhor apresentação, frente a artistas como Elton John, Dire Straits, U2, David Bowie e The Who, com audiência de quase 2 bilhões de pessoas na TV. Foi um momento glorioso para a banda - que havia sido muito criticada por, recentemente, ter quebrado um boicote cultural à África do Sul. Elton John, grande amigo íntimo de Freddie, acusou o Queen de ter roubado a cena. Mas ainda tinha mais por vir...

A grande revelação - cinco anos

O lançamento de A Kind of Magic marcou outro grande momento para a banda. Canções de peso como "One Vision" e "A Kind of Magic" e as belas "Who Wants to Live Forever" e "Friends Will Be Friends" mostraram que o Queen ainda tinha muita lenha para queimar, muito a produzir. A turnê do álbum foi a mais grandiosa já feita pela banda (e até então, por qualquer banda). No ano seguinte, Freddie daria mais vazão a sua carreira solo, com o lançamento do single "The Great Pretender" (regravação do clássico do The Platters). Freddie se identificava com o rótulo de fingir o que não é assim como o personagem da canção. O ano foi marcado também pelo início do projeto com a cantora de Ópera Montserrat Caballé, o álbum Barcelona. Nesta época, Freddie acabou raspando seu bigode, uma de suas marcas registradas.

Foi neste ano de 1987 que Freddie acabou sendo diagnosticado com o vírus da AIDS. Um momento pesado para um gigante. Com todo o apoio de Jim Hutton, Freddie foi em frente e concluiu com êxito Barcelona. Depois disso, era a vez de mais um trabalho com o Queen. O álbum The Miracle foi feito com força, trazendo assuntos como a mídia que não largava o osso com a relação à banda, como "Scandal". Canções como "The Miracle", "Breakthru" e "The Invisible Man" mostravam que a banda ainda conseguia manter bem unidos e em grande qualidade o Rock e Funk. Freddie começava a sentir os males de sua doença e a banda já não saia mais para turnês, preferindo fazer vídeo-clipes em seu lugar. Após o trabalho com Caballé e o álbum do Queen, tudo o que Freddie queria era mergulhar mais ainda no trabalho, o trabalho que salvou sua vida do vazio. Então vieram os preparativos para os últimos momentos...

O show tem que continuar...

Innuendo. Este foi o último álbum lançado pela banda com Freddie ainda vivo. A força deste álbum é impressionate. Freddie canta com poder total, como se estivesse 100% saudável. Durante as gravações da canção "The Show Must Go On" (na minha opinião a mais poderosa atuação vocal de Freddie), Brian duvidou que Freddie conseguisse gravar os vocais. Freddie foi em frente, tomou uma generosa dose de vodka e disse: 'I'll fuckin do it, darling!'. O resultado foi impressionante. A canção foi gravada em apenas um take.

"I'm Going Slightly Mad" tratava de maneira sombria a doença de Freddie e seu estado mental. O vídeo-clipe filmado em preto e branco e com muita maquiagem, tentava esconder a fragilidade da qual Mercury se encontrava. "Headlong" era, originalmente, parte do álbum solo de Brian, chamado Back to the Light. Mas ao ouvir Freddie cantar, acabou por colocá-la no álbum do Queen. "Innuendo" foi o último single a alcançar um #1UK e pode ser considerado uma "Bohemian Rhapsody" 2 em termos de complexidade e estrutura. É a canção mais longa já lançada como single pela banda.

Digamos que "These Are the Days of Our Lives" foi uma espécie de despedida dos fãs e do mundo. No vídeo-clipe (também filmado em preto e branco), Freddie aparece bem magro e debilitado. Mas mesmo assim continua com sua teatralidade. Com Roger e John ao seu lado (May estava em uma viagem a gravou sua parte posteriormente), Freddie cantava e, ao final do vídeo, se despedia com um 'eu ainda amo vocês'.

Após o álbum, Freddie tentou gravar o máximo de vocais possíveis para que o restante da banda terminassem as canções. Os resultados saíram no álbum Made in Heaven. Foram feitas duas regravações da carreira solo de Freddie ("I Was Born to Love You" e "Made in Heaven"). Mas com certeza a canção mais marcante é "Mother Love", a última canção que Freddie gravou. A canção fala sobre o amor materno e tem linhas como 'mamãe, por favor, deixe-me voltar para dentro', referindo-se ao útero - lugar onde ele estaria protegido do mundo. As últimas linhas da canção foram gravadas por Brian porque Freddie já estava muito doente, sofrendo de bronco-pneumonia que acabou o matando.

24 de Novembro de 1991. O homem, a lenda foi descansar em paz, uma paz que ele nunca encontrou em qualquer canto do planeta Terra. Jim Hutton falaceu em 2010 e Mary continua morando na casa que Freddie lhe deixou de herança. Em 1992, os membros do Queen se juntaram a outros artistas e fizeram um show de homenagem. Gente como David Bowie, George Michael, Elton John e Robert Plant homenagearam a grande estrela.

Uma das maiores do seu tempo e de todos. Que descanse em paz...