sexta-feira, 24 de junho de 2011

AMR - Pérolas do "Pop" 5: Tears in Heaven

Uma música pode surgir da alma de um artista - ou da vontade de fazer alguma coisa grudenta para ganhar uns trocados. Você pode ouvir canções que sejam realmente profundas e tocantes como, por exemplo, uma das minhas canções favoritas de sempre, "Only Because of You" do álbum In the Eye of the Storm (1984) de Roger Hodgson (ex-Supertramp) - que ainda vou escrever um artigo sobre. Ou você pode ouvir qualquer coisa saída de qualquer Mc Créu ou Serginho e Lacraia (só pra citar dois, pra não perder tempo - sem relações com a morte da Lacraia que, musicalmente falando, ou artisticamente falando, não faz falta alguma).

Agora, se tem uma música que veio da alma (e, mais especificamente, da dor) de um artista, esta canção é "Tears in Heaven", do guitarrista inglês Eric Clapton. A perda de seu filho em um momento bom de sua vida o levou para o fundo do poço - de onde conseguiu sair bem (e de uma certa maneira, melhor do que estava antes). Além, claro, de ser uma obra muito bem feita e tocante - arte pura, até o último fio de cabelo.


Um dos maiores sucessos da carreira do guitarrista e uma grande e cativante canção. Uma das mais importantes dos anos 90, sendo uma das melhores baladas feitas na época - e tão uma peça marcante da música moderna.

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Sobre o artista: Eric Clapton iniciou sua carreira oficialmente com a lendária banda The Yardbirds. Após isso participou da John Mayall & The Bluesbreakers, o Cream, o Blind Faith, Delaney, Bonnie & Friends, Derek and the Dominos e por fim, sua carreira solo. Tendo suas raízes no Blues, Eric já passou por vários estilos, como Rock, Rock Psicodélico e Hard Rock. Conta com 20 álbuns de inéditas e vários outros projetos com outras bandas e artistas. Só seu álbum acústico vendeu 10 milhões de cópias nos Estados Unidos, sendo um dos mais bem sucedidos no estilo. É considerado um dos melhores guitarristas já surgidos, ao lado de Jimmy Hendrix, B.B. King, Duane Allman, Stevie Ray Vaughan, Mark Knopfler e vários outros. Contribuiu bastante com a difusão do Blues pelo mundo, sendo um dos artistas mais importantes da história da música.

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Clapton recebeu uma ajuda de Will Jennings (famoso compositor norte-americano, que tem em seu currículo trabalhos como "My Heart Will Go On" da Celine Dion, tema do filme Titanic de 1997, "Up Where We Belong" do Joe Cocker e Jennifer Warnes, tema do filme A Força do Destino, de 1982 e sucessos como "Valerie" e "Higher Love" do Steve Winwood, amigo e companheiro musical de Eric) para compor a letra da canção. Na verdade, Jennings se sentiu bem relutante em contribuir com Clapton em uma canção tão pessoal. De qualquer maneira, onde Eric entrou com sua alma, Will e Russ Titelman (renomado produtor norte-americano que já produziu artistas como The Monkees, George Harrison, Bee Gees, Paul Simon, The Allman Brothers e a já citada "Valerie" do Winwood) entraram com o resto, o corpo.


Eric não havia composto "Tears in Heaven" com a intenção de torna-la pública. Esta canção, assim como "My Father's Eyes" e "Circus Left Town" foram a maneira de Eric de dissipar sua dor e angústia pela perda de seu filho, naquilo que ele próprio descreveu como "um pesadelo acordado". As duas citadas chegaram, aliás, a serem tocadas no famosos disco acústico de 1992, mas acabaram sendo vetadas por Clapton, por achar que não estavam tão bem reproduzidas. Aliás, "Circus Left Town" descreve como foi o último dia que Eric passou com seu filho Conor - um passeio até o circo. E principalmente no caso de esta e "Tears in Heaven", ele consegue transmitir uma tristeza, beleza e melancolia genuínas.


Naquele ano, Lili Zanuck, diretora de cinema, quis que Eric trabalhasse na trilha-sonora de seu novo filme, Rush, que fala sobre detetives em um caso de tráfico de drogas que acabam se viciando - um campo que, infelizmente, Eric conhecia muito bem. Após Eric mostrar a Lili sua "Tears in Heaven", ela insistiu para que fosse incluída na trilha. Clapton, claro, ficou bem relutante, pois aquela canção era algo pessoal, como ele descreveu: algo que "ele fazia apenas para não ir à loucura, tocando insistentemente para si mesmo, modificando e aperfeiçoando constantemente até se tornar parte do seu ser". No final, Lili convenceu Eric.


Não muito distante disto, Eric lançou seu disco acústico onde revia clássicos do Blues e algumas canções suas. "Tears in Heaven" tornou-se o ato principal desta obra, tendo esta versão, em minha opinião, sendo melhor que a original por ser mais profunda na interpretação no geral. Titelman também se encarregou a produção deste trabalho, que contou com grandes músicos como Nathan East, Ray Cooper e Andy Fairweather-Low (colaboradores de longa data) e também Chuck Leavell, pianista também muito conhecido por seu trabalho com os Rolling Stones. A perícia impecável destes músicos ajudou bastante com a atmosfera necessária da coisa.


A perda de Conor foi decisiva para Eric em um ponto peculiar: sua dependência em álcool. Quando Conor faleceu, Eric já estava aproximadamente 2 anos sem beber. E ao ver seu filho pequeno nascer, ele foi adquirindo aos poucos a noção de que deveria parar. E a morte de Conor veio reforçar mais ainda este ponto. Certa vez, no programa de 12 passos, uma mulher disse para Eric: "Você acabou de tirar minha última desculpa para tomar um drique". Ele perguntou o que ela quis dizer e ela respondeu: "Sempre tive guardada em um cantinho da minha mente a desculpa de que, se algo acontecesse com meus filhos, eu teria uma justificativa para beber. E você me mostrou que isso não é verdade". Isso foi uma pontinha que daria início a uma iniciativa de Eric em montar um centro de reabilitação de dependentes do álcool, a Crossroads Centre.


Apesar da contribuição de Jennings e Titelman e de todo o resto do pessoal envolvido tanto no estúdio quanto na gravação do acústico, uma coisa fica mais do que clara: estas canções foram extraídas do coração e alma de um homem. São produtos da dor de uma pessoa que perdeu parte de si com a morte de uma pessoa querida e que conseguiu transpor isso através de sua arte. Sobre o acústico, Eric faz um comentário tocante:

"Russ produziu o álbum do show, e Roger parecia um pai coruja em cima do projeto, enquanto eu estava bem distante, insistindo em que deveríamos lançá-lo como edição limitada. Simplesmente não estava muito apaixonado por aquilo e, por mais que curtisse tocar todas as canções, não achava que escutá-las fosse lá tão maravilhoso. Ao ser lançado, foi o álbum de maior vendagem de minha carreira, o que serve para mostrar o quanto entendo de marketing. Foi também o mais barato de produzir e o que exigiu menor volume de preparação e trabalho. Mas, se você quer saber quanto de fato me custou, vá a Ripley e visite o túmulo de meu filho. Acho que é também por isso que foi um álbum tão popular; creio que as pessoas queriam mostrar sua solidariedade, e aqueles que não conseguiram encontrar outra forma compraram o álbum."

Eric mostrou que, apesar de toda a dor que você possa sentir, sempre podemos seguir, tirar a lição que deve se tirar e viver, com a certeza de que um dia tudo vai ficar bem. A canção foi muito bem acolhida, sendo um dos maiores sucessos da carreira de Eric e lhe rendendo três prêmios Grammy: Canção do Ano, Gravação do Ano e Melhor Performance Vocal Pop Masculina. "My Father's Eyes" e "Circus" (como ficou conhecida depois) tiveram seu lançamento oficial no álbum Pilgrim, de 1998. E após todos estes anos, em 2004 Eric resolveu aposentar "Tears in Heaven" e "My Father's Eyes" (a terceira canção não era frequentemente tocada nos shows), explicando:

"Eu não sinto mais a dor, que é muito uma parte de tocar estas canções. Eu realmente tenho que me conectar com os sentimentos que tinha quando eu as escrevi. Eles se foram e realmente não quero que voltem. Minha vida é diferente agora. Elas provavelmente precisavam de um descanso e talvez eu volte com elas com um ponto de vista diferente."

Eric provavelmente a aposentou para não sentir mais a mesma dor que sentia quanto lembrava de seu filho e talvez até para não banalizá-la. E de fato é uma canção que deve ser tocada apenas para se ouvir com a alma e o coração - pois foi de lá que ela saiu e é para onde deve ir sempre que for ouvida. Que o pequeno Conor esteja muito bem pra onde quer que tenha ido e que esteja muito feliz por imenso bem que fez para seu pai.