sábado, 13 de fevereiro de 2010

Especial - We Are The World 25 for Haiti (por Ms. Valentini)

Aviso aos navegantes : os comentários críticos aqui não são referentes à tragédia no Haiti em si, mas tão somente à regravação de We Are The World.



Há cerca de 25 anos, Michael Jackson e Lionel Richie se juntaram ao já lendário Quincy Jones para produzir uma canção, cujos ganhos seriam destinados ao pagamento de dívidas externas de países africanos. A letra foi escrita em meia hora por Richie (com a ajuda de Jackson), mas passou a mensagem adequada. Assim, 47 artistas - MJ, Richie, Ray Charles, Stevie Wonder, Diana Ross, Bob Dylan, Bruce Springsteen, entre outros - se juntaram sob o projeto "USA for Africa" para gravar We Are The World.

Como vocês podem perceber, o projeto não deu muito certo : apesar de a canção ter ganhado múltiplos discos de platina e ter se tornado hit em vários países - inclusive conseguindo #1US e #1UK - seriam necessários alguns trilhões de dólares a mais para que o problema em questão fosse resolvido. Mas, pelo menos, nos restou uma canção digna de nota....diferente do que temos aqui agora : We Are The World 25 : for Haiti vai conseguir a proeza de ser um Fail duplo - o dinheiro arrecadado pela canção, principalmente nesses tempos de crise da indústria fonográfica, não será lá significativo como ajuda na reconstrução do país, e, finalmente, o objetivo deste especial : mesmo com Quincy Jones no comando da produção, os artistas envolvidos conseguiram metralhar quase todo o belo trabalho de Jackson e Richie.

Mas por que toda essa agressividade? Eu te respondo : algo que tem Lil' Wayne no meio só pode ser um desastre tão grande quanto a ocorrência de um terremoto.

Para começar a canção, quem melhor para tomar o lugar de Lionel Richie do que....Justin Bieber? Eu fico imaginando quem foi o gênio que mudou a lista de artistas convidados de "grandes ídolos da música" para "sensações adolescentes da Disney". Bieber ainda entrega vocais chorosos, um tanto quanto irritantes, que deixariam as vítimas do desastre mais desesperadas ainda. Jennifer Hudson (American Idol, Dreamgirls) substitui Stevie Wonder graciosamente, com seus vocais poderosos. Jennifer Nettles e alguma espécie de sósia de Marcos Mion fazem o verso de Paul Simon e Kenny Rogers sem problemas.

Finalmente alguma espécie de ídolo entra em jogo : Tony Bennett participa da canção, no lugar de James Ingram. Mary J. Blige faz a parte de Tina Turner, mas deveria mesmo é ter substituído Stevie Wonder, porque está usando um óculos tão grande que não deveria estar vendo nada mesmo.

Na sequência, parece que o bom senso deu as caras por aqui e fez com que Michael Jackson fosse mantido no refrão. Há uma tentativa de dueto entre o cantor e sua irmã Janet - o que não dá certo porque parece que alguém cortou o áudio da cantora. Os dois aparecem lado a lado no vídeo, e o curioso é que parecem ser a mesma pessoa, com cortes de cabelo diferentes. Barbra Streisand substitui Diana Ross, algo totalmente aceitável. Só que a Disney ataca novamente aqui com a aparição de Miley Cyrus, no lugar de Dionne Warwick - mas no quesito vocal, até que foi uma "escolha" adequada. Henrique Inglesias canta uma versão modificada da canção e Nicole Schewzkjsdfhk (Pussycat Dolls) continua. Jamie Foxx canta o último verso (modificado) antes do que era o refrão e...

Wyclef Jean encarna um peru para cantar algo não muito inteligível que substitui o verso "We Are The World". Provavelmente o mesmo verso dito em "haitiano" (??). E, não, não - Stevie Wonder não participou do remake, é só Adam Levine do Maroon 5. Então uma boa surpresa : P&nk substitui Steve Perry com muita emoção. Michael novamente permanece no começo da ponte e Usher carrega o tom muito bem. E o que dizer de Celine então? O verso mais escandaloso da canção agora parece mais com uma melodia e não com um susto cantado de Cindy Lauper! Fergie toma o posto de Kim Carnes, e...bem, não se compara à Dion - o que diminui a energia daquele momento, mesmo com o reforço de Celine como "backing vocal". Um coral no refrão e sem problemas. Nick Jonas canta rapidamente, mas felizmente desaparece tão rápido quanto entrou. A sumida Toni Braxton dá o seu alô, junto com alguns artistas não muito populares.

Mas é aqui que suspeitamos que a idade de Quincy talvez possa estar pesando : Lil' Wayne, Akon e T-Pain "cantam" com a ajuda de Auto-Tune e, após o final do verso, começa um rap - sim, um rap - com nomes como Snoop Dogg, Will.I.Am (que aliás, tem o dom de estragar músicas de Michael Jackson), LL Cool J, Swizz Beatz e o rei do amor ao próximo, Kanye West. Felizmente, eles cantam em coral e não é possível reconhecer nitidamente a voz de qualquer um deles. Wyclef insiste com seus berros de vez em quando, Kanye e Will arriscam mais algumas rimas "pouco" redundantes - que na verdade devem ter sido retiradas de qualquer letra de algum de seus álbuns - mas logo a música acaba com Jean perpetuando sua chatice.



Enfim, em minha cabeça, rolou um misto de decepção, irritação e questionamento - mas mais do que isso, a canção proporcionou um interessante resumo da metamorfose pela qual a música popular passou nesses últimos 25 anos.

A ausência de grandes nomes do rock mostra a falta de valor (para o mainstream) que o gênero tem nos dias de hoje. Carlos Santana é representado por sua guitarra, mas não mais que isso. E não, P#nk não é um grande nome do rock - é uma boa intérprete, mas seu punk rock (ou P!nk rock, sei lá) cheira mais a pop rock do que qualquer outra coisa. Em contrapartida, é óbvio que o hip-hop está muito presente na nova versão; a partir da participação de Jennifer H., nota-se o uso de batidas eletrônicas comuns a maioria dos trabalhos de rappers e cantoras de R&B - as quais acabam compondo mais ou menos 99.9% dos singles, porque rappers se metem em tudo quanto é buraco.

Quando Cher utilizou o Auto-Tune ostensivamente em seu álbum Living Proof, foi porque o projeto era um dance pop - até porque você pode não gostar da voz dessa cigana, mas que ela tem técnica, ela tem - porém, todos sabemos que o programa de computador é usado para habilitar (de maneira bem deficiente) pessoas que não tem muito ou nenhum talento para cantar de fato. Exemplos : rappers e até mesmo "cantores" com carteira registrada, digamos. O que era usado para remendar trechos em que os artistas não conseguiam atingir as notas harmoniosas, tornou-se um acessório quase que obrigatório para uma música ser tocada numa rádio pop - só as ditas "divas" e compositores/surfistas conseguem escapar (e às vezes não querem) do domínio que o utensílio conquistou.

Nos anos 80, tivemos os Kids On The Block; nos anos 90, Spice Girls, Take That, Britney Spears....e nos anos 2000, Miley Cyrus, Justin Bieber, Jonas Brothers. Na verdade, o teen pop nunca saiu bem de moda, mas ele nunca havia sido representado num projeto como o de Michael Jackson, Quincy Jones e Lionel Richie. Tudo aqui parece funcionar para que o single tenha o maior airplay possível - o que por um lado é bom, já que vai gerar mais renda para o Haiti. Só que por outro decepciona; o trabalho original conta com grandes gênios e ídolos da música (que, sim, já eram grandes nomes em 1985), e a expectativa era de que fosse ser igualmente icônico. Sabemos que tudo aconteceu muito rápido - os artistas já estavam em Los Angeles para o Grammy 2010 na ocasião, e a regravação da canção estava marcada antes do acontecimento do terremoto e depois foi remarcada emergencialmente - só que pensávamos que a mão de Quincy traria um belo trabalho novamente.

Pode parecer pura crítica nostálgica, mas a verdade é que o imediatismo com que estão sendo feitas as coisas e os ídolos que estamos cultivando no século XXI são a verdadeira preocupação de pessoas como eu, que amam música e querem preservá-la como uma das grandes criações da humanidade.

Aliás, já que tudo está mudado mesmo, deveriam ter chamado a Solange do Big Brother para ser a nova letrista da canção....

Como já diziam Michael Jackson e Paul Anka : This Is It!

Vídeo da canção :