segunda-feira, 29 de abril de 2013

Especial - Old Sock (Eric Clapton)


E o grande mestre da guitarra ainda está gravando! O Deus Eric Clapton ainda grava e faz shows, como todo o bom e velho bluesmen. Não com a mesma pompa, energia, afobação e estrelismo de outros artistas e  de outros tempos, mas nada disso é necessário para quem consolidou uma carreira em seu nato talento musical. Em outras palavras: Clapton já não precisa provar nada para ninguém, pode fazer apenas o que desejar, sem ser obrigado a agradar gravadoras com hits e topcharts.

Nos últimos anos, Clapton tem feito álbuns mais voltados para o estilo musical que o inspirou e regeu seu carreira: o Blues. Clapton flertou com vários estilos, proeminentemente o Rock - afinal, que nunca ouviu sua versão para "Cocaine", "Layla" e os melhores momentos do Cream? -, mas sua raiz, seu essência reside neste gênero tão triste e melancólico. Até mesmo um álbum em parceria com o eterno B.B. King foi gravado em 2000 (Riding with the King). Fora uma parceria em 2006 com o também entusiasta do Blues JJ Cale (The Road to Escondido).

Ou seja, Clapton quer relaxar e fazer da melhor maneira possível aquilo que mais lhe agrada: música boa, na medida que preferir, do jeito que quiser. E a última novidade que o mestre Slowhand traz é o álbum Old Sock, que teve lançamento no dia 12 de Março deste ano. Eric reuniu alguns de suas canções preferidas desde que era um garotinho até os dias atuais, sendo acompanhado por grandes músicos como Steve Winwood (outro grande músico que foi companheiro de Eric no Blind Faith, dentre outros atos musicais), novamente JJ Cale e até mesmo o ex-Beatle Paul McCartney. Na produção, temos até mesmo o guitarrista Doyle Bramhall II, que acompanha Eric já faz um tempo.


No novo álbum, apenas duas canções são inéditas: "Gotta Get Over" e "Every Little Thing". Ambas foram escritas por Justin Stanley (um dos produtores do álbum), o já citado Doyle Bramhall II e, ora vejam só, Nikka Costa (ela mesma, a menininha que encantou milhões de pessoas cantando "On My Own" com 4 anos de idade).

Aqui vai uma análise faixa por faixa do novo trabalho de Eric Clapton.

1 - Further on Down the Road (por Taj Mahal, Jesse Ed Davis, Gary Gilmore, Chuck Blackwell)

Canção original do músico de Blues Taj Mahal, a canção foi lançada no álbum Giant Step/De Ole Folks at Home, em 1969. Ano em que Eric formou o Blind Faith e saiu em turnê com Delaney and Bonnie and Friends. 

Clapton conta com a participação do próprio Taj Mahal como instrumentista. Enquanto a versão original é mais calcadano Blues, Eric adicionou uma pitada de Reggae (depois de "I Shot the Sheriff", sabemos o que ele é capaz de fazer com este estilo), deixando a canção com um tom original, próprio.

2 - Angel (por J.J. Cale)

Esta canção era um faixa não lançada por Cale, que aparentemente foi cedida por ele para o novo projeto de Eric. Não há informação a respeito de quando foi composta. Cale participa tocando e cantando com Clapton.

Apesar de uma letra mais ao estilo Blues, com partes como "corta como uma faca", que é tão utilizada em linhas que precisam expressar uma tristeza reforçada, o cliente de "Angel" é um tanto alegre, calmo. Eric faz um trabalho ameno, com vocais mais contidos, serenos.

3 - The Folks Who Live On the Hill (por Oscar Hammerstein II, Jerome Kern)

Esta música já tem uma história mais profunda. Foi produzida em 1937, composta por Jerome Kern (compositor com destaque na cena teatral), com letra de Oscar Hammerstein II (compositor também proeminente na cena teatral). Foi gravada por uma série de artistas. Primeiramente gravada por Irene Dunne no mesmo ano em que foi escrita, depois por Bing Crosby e mais popularmente conhecida na voz de Peggy Lee em 1957.

A versão de referência (Peggy Lee) tem um clima mais puxado para o Jazz, com toda a suavidade intrínseca. Lembrando alguns momentos de Frank Sinatra. Já na versão de Eric, a coisa é um pouquinho mais refinada, mais moderna, com backing vocals e a adição de outros instrumentos - especialmente a guitarra de Clapton. No quesito vocais, Peggy ganha, possivelmente por esta canção ser mais adaptável para uma voz feminina.

4 - Gotta Get Over (de Doyle Bramhall II, Justin Stanley, Nikka Costa)

Primeira canção inédita do tracklist. Uma das compositoras é Nikk Costa (o que significa que ela está faturando mais produzindo para outros artistas do que fazendo a própria carreira solo) e temos a veterana cantora Chaka Khan contribuindo nos vocais.

A letra é bem otimista, falando sobre superação. A parte Rock de Eric falou mais alto aqui, com seus bons e velhos solos. A participação de Chaka Khan não teve um diferencial, uma vez que a atuação foi como backing vocal, não um dueto (como "Tearing Us Apart", de Clapton e Tina Turner), sendo apenas um mero complemento. Um sabor dos velhos tempos acompanharam as notas musicais aqui...

5 - Till Your Well Runs Dry (por Peter Tosh)

Este canção pertence ao primeiro álbum (Legalize It) do cantor Peter Tosh, ex-Wailers do Bob Marley e, obviamente, pró-maconha. A canção vem de 1976, época de grande produção criativa do Reggae - onde Clapton se inspirou bastante). O ex-Bob Marley seguiu de perto os passos do Rasta-mor lançando este Reggae que, apesar de ser Reggae, não sou chato e pedante como a maioria dos casos.

Bem, eu havia dito que o foco do projeto todo era o Blues, mas aqui temos uma total exceção. Clapton regrava mais uma vez o Reggae, incutindo o poder de sua interpretação através das cordas de uma guitarra. O destaque positivo fica mesmo pelo inconfundível solado Slowhand.

6 - All of Me (por Gerald Marks, Seymour Simons)

Canção escrita em 1931, intepretada por Belle Baker e depois por Ruth Etting. A versão de Ruth carrega aquele Jazz bem enraizado e todo seu charme inerente - tanto nos instrumentos quanto na interpretação de Etting. Foi uma canção bem popular, sendo interpretada por muitos artistas, proeminentemente Bing Crosby, Billie Holiday, Louis Armstrong, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald e vários outros.

A versão de Clapton tem Paul McCartney o acompanhando nos vocais - Paul também tocou baixo na gravação. Paul mostra aqui que sua voz ainda tem a característica força de outrora, sendo um bom reforço aos vocais mais singelos de Eric. Obviamente esta versão parece muito contemporânea se comparada com a original, mas com o verniz Blues que Clapton propôs.

7 - Born to Lose (por Ted Daffan)

Considerado um hino Country (possivelmente antes dele ter sido banalizado bovinamente como aconteceu), esta canção foi escrita por Ted Daffan em 1942. Muito popular, a canção já foi gravada em uma versão mais melancólica pelo Ray Charles.

A interpretação de Eric, aliás, soa muito mais próximo do que veio a ser conhecido mais tarde como Country do que a gravação original. A qualidade no quesito instrumental carrega a marca da guitarra de Clapton. A canção ficou mais pomposa com backing vocals, mas nada mais que isso. Apesar do bom trabalho, a versão original de Ted Daffan acaba sendo melhor.

8 - Still Got the Blues (por Gary Moore)

A obra prima de Gary Moore, um clássico do Blues Contemporâneo (se é que posso chamá-lo assim), "Still Got The Blues" carrega toda a força musical da palavra Blues em sua melodia triste e cordas com uma melodia forte e inspiradora - e os vocais de Moore nunca estiveram tão bem acomodados. As linhas que atravessavam os dedos de Moore e chegavam até as cordas da guitarra são de fato incríveis. Gary escreveu a música em 1990 e curiosamente foi comercialmente favorável, apesar do imenso valor musical.

Nunca imaginei uma versão desta canção que fosse no mínimo aceitável, imaginando que seria feito algo de diferente do original como maneira de ser mais inventivo. Em resumo, nunca acreditei que ninguém pudesse fazer justiça ao legado desta canção. Porém, o que Clapton fez aqui, mesmo sem repetir o principal e característico riff da canção, é surpreendente. Eric já havia tocado esta canção ao vivo, pelo menos desde 2011. (Que talvez tenha sido uma maneira de homenagear Gary Moore, falecido no começo do ano.)

Amenizando a canção ao acústico, com um acompanhamento de um orgão (tocado pelo Steve Winwood), Eric consegue com simplicidade fazer algo tão belo e tocante quanto o poderoso Blues que Gary exalava de sua guitarra. Memorável.

9 - Goodnight Irene (por Huddie Ledbetter, John A. Lomax, Sr.)

Escrita no distante ano de 1933, esta canção foi gravada em primeira mão pelo músico de Blues Huddie 'Lead Belly' Ledbetter. Como é de praxe, a letra fala sobre frustração e triste (neste caso, com a tal da Irene). Frank Sinatra, Johnny Cash, Jerry Lee Lewis e Little Richard também gravaram uma versão para a canção.

A versão de Clapton é um pouco mais completa, como já era de se esperar. Vemos aqui apenas uma versão mais atual, sem grandes diferenciais. Das canções cover apresentadas no álbum, esta é, até o momento, a mais irrelevante. Não teve um grande atrativo ou diferencial - a não ser que você não tenha gostado da versão de Lead Belly.

10 - Your One and Only Man (por Otis Redding)

O cantor de Soul Otis Redding faleceu muito jovem. Aos 26 anos, morreu em um acidente de avião. Dentre as obras de seu acervo temos "(Sittin' On) The Dock of the Bay", gravada dias antes de seu acidente, e lançada no mês seguinte, em um álbum póstumo. "Your One and Only Man" foi lançada no segundo álbum, de 1965.

A versão de Eric teve uma pegada mais puxada para o Reggae, afastada do Blues e mais longe ainda do Soul. Como a qualidade musical do Soul é muito superior à do Reggae, a versão original de Redding é mais proveitosa. Mas tirando o excesso de do Reggae, a versão de Eric é muito boa.


11 - Every Little Thing (por Doyle Bramhall II, Justin Stanley, Nikka Costa)

Segunda e última faixa original do álbum, "Every Little Thing", ao contrário da outra canção inédita do álbum, não utiliza a pegada roqueira da mesma maneira. Temos mais impregnação do Reggae, que a esta altura podemos ver que já influenciou Eric demais. Acredito que Clapton, ou alguém da produção, teria escolhido fazer um contraponto entre as duas canções originais do álbum. Uma mais agitada e outra mais amena, para diversificar. Na batalha entre as duas, "Gotta Get Over" vence com folga.

12 - Our Love Is Here to Stay (por George Gershwin, Ira Gershwin)

Canção popular do Jazz, composta pelos irmãos Gershwin em 1938 para o filme The Goldwyn Follies. Dentre os compositores, temos em destaque a interpretação de Ella Fitzgerald. A canção tem perfeitamente o clima do Jazz dos anos 30. Curiosamente, a versão de Clapton não se difere muito, mantendo-se mais fiel aos original. Com relação à performance vocal, Ella vence o Slowhand - apesar da versão dele ser tecnicamente um pouco melhor.

13 - No Sympathy (por Peter Tosh) - Faixa Bônus

Ainda caminhando sobre as raízes e influências do Reggae que já ditaram muito em sua carreira, Clapton fez mais uma versão de Peter Tosh. "No Sympathy" saiu no mesmo álbum que "Till Your Well Runs Dry", no ano de 1976. É mais um Reggae, bem fiel e competente ao seu propósito. Possivelmente um dos melhores exemplares do gênero - justificando a sábia escolha de Eric.

Infelizmente, ainda não encontrei a versão de Eric disponível. Posteriormente complementarem esta parte.

No geral foi um ótimo trabalho do guitarrista. Nada grandioso, do jeito que ele quis. Apenas fazer boa música, sem se preocupar em agradar um grande público. E que venha mais um trabalho destes!