Agora, se tem uma música que veio da alma (e, mais especificamente, da dor) de um artista, esta canção é "Tears in Heaven", do guitarrista inglês Eric Clapton. A perda de seu filho em um momento bom de sua vida o levou para o fundo do poço - de onde conseguiu sair bem (e de uma certa maneira, melhor do que estava antes). Além, claro, de ser uma obra muito bem feita e tocante - arte pura, até o último fio de cabelo.
Um dos maiores sucessos da carreira do guitarrista e uma grande e cativante canção. Uma das mais importantes dos anos 90, sendo uma das melhores baladas feitas na época - e tão uma peça marcante da música moderna.
———————————————–
Sobre o artista: Eric Clapton iniciou sua carreira oficialmente com a lendária banda The Yardbirds. Após isso participou da John Mayall & The Bluesbreakers, o Cream, o Blind Faith, Delaney, Bonnie & Friends, Derek and the Dominos e por fim, sua carreira solo. Tendo suas raízes no Blues, Eric já passou por vários estilos, como Rock, Rock Psicodélico e Hard Rock. Conta com 20 álbuns de inéditas e vários outros projetos com outras bandas e artistas. Só seu álbum acústico vendeu 10 milhões de cópias nos Estados Unidos, sendo um dos mais bem sucedidos no estilo. É considerado um dos melhores guitarristas já surgidos, ao lado de Jimmy Hendrix, B.B. King, Duane Allman, Stevie Ray Vaughan, Mark Knopfler e vários outros. Contribuiu bastante com a difusão do Blues pelo mundo, sendo um dos artistas mais importantes da história da música.
——————————————
Clapton recebeu uma ajuda de Will Jennings (famoso compositor norte-americano, que tem em seu currículo trabalhos como "My Heart Will Go On" da Celine Dion, tema do filme Titanic de 1997, "Up Where We Belong" do Joe Cocker e Jennifer Warnes, tema do filme A Força do Destino, de 1982 e sucessos como "Valerie" e "Higher Love" do Steve Winwood, amigo e companheiro musical de Eric) para compor a letra da canção. Na verdade, Jennings se sentiu bem relutante em contribuir com Clapton em uma canção tão pessoal. De qualquer maneira, onde Eric entrou com sua alma, Will e Russ Titelman (renomado produtor norte-americano que já produziu artistas como The Monkees, George Harrison, Bee Gees, Paul Simon, The Allman Brothers e a já citada "Valerie" do Winwood) entraram com o resto, o corpo.
Eric não havia composto "Tears in Heaven" com a intenção de torna-la pública. Esta canção, assim como "My Father's Eyes" e "Circus Left Town" foram a maneira de Eric de dissipar sua dor e angústia pela perda de seu filho, naquilo que ele próprio descreveu como "um pesadelo acordado". As duas citadas chegaram, aliás, a serem tocadas no famosos disco acústico de 1992, mas acabaram sendo vetadas por Clapton, por achar que não estavam tão bem reproduzidas. Aliás, "Circus Left Town" descreve como foi o último dia que Eric passou com seu filho Conor - um passeio até o circo. E principalmente no caso de esta e "Tears in Heaven", ele consegue transmitir uma tristeza, beleza e melancolia genuínas.
Naquele ano, Lili Zanuck, diretora de cinema, quis que Eric trabalhasse na trilha-sonora de seu novo filme, Rush, que fala sobre detetives em um caso de tráfico de drogas que acabam se viciando - um campo que, infelizmente, Eric conhecia muito bem. Após Eric mostrar a Lili sua "Tears in Heaven", ela insistiu para que fosse incluída na trilha. Clapton, claro, ficou bem relutante, pois aquela canção era algo pessoal, como ele descreveu: algo que "ele fazia apenas para não ir à loucura, tocando insistentemente para si mesmo, modificando e aperfeiçoando constantemente até se tornar parte do seu ser". No final, Lili convenceu Eric.
Não muito distante disto, Eric lançou seu disco acústico onde revia clássicos do Blues e algumas canções suas. "Tears in Heaven" tornou-se o ato principal desta obra, tendo esta versão, em minha opinião, sendo melhor que a original por ser mais profunda na interpretação no geral. Titelman também se encarregou a produção deste trabalho, que contou com grandes músicos como Nathan East, Ray Cooper e Andy Fairweather-Low (colaboradores de longa data) e também Chuck Leavell, pianista também muito conhecido por seu trabalho com os Rolling Stones. A perícia impecável destes músicos ajudou bastante com a atmosfera necessária da coisa.
A perda de Conor foi decisiva para Eric em um ponto peculiar: sua dependência em álcool. Quando Conor faleceu, Eric já estava aproximadamente 2 anos sem beber. E ao ver seu filho pequeno nascer, ele foi adquirindo aos poucos a noção de que deveria parar. E a morte de Conor veio reforçar mais ainda este ponto. Certa vez, no programa de 12 passos, uma mulher disse para Eric: "Você acabou de tirar minha última desculpa para tomar um drique". Ele perguntou o que ela quis dizer e ela respondeu: "Sempre tive guardada em um cantinho da minha mente a desculpa de que, se algo acontecesse com meus filhos, eu teria uma justificativa para beber. E você me mostrou que isso não é verdade". Isso foi uma pontinha que daria início a uma iniciativa de Eric em montar um centro de reabilitação de dependentes do álcool, a Crossroads Centre.
Apesar da contribuição de Jennings e Titelman e de todo o resto do pessoal envolvido tanto no estúdio quanto na gravação do acústico, uma coisa fica mais do que clara: estas canções foram extraídas do coração e alma de um homem. São produtos da dor de uma pessoa que perdeu parte de si com a morte de uma pessoa querida e que conseguiu transpor isso através de sua arte. Sobre o acústico, Eric faz um comentário tocante:
"Russ produziu o álbum do show, e Roger parecia um pai coruja em cima do projeto, enquanto eu estava bem distante, insistindo em que deveríamos lançá-lo como edição limitada. Simplesmente não estava muito apaixonado por aquilo e, por mais que curtisse tocar todas as canções, não achava que escutá-las fosse lá tão maravilhoso. Ao ser lançado, foi o álbum de maior vendagem de minha carreira, o que serve para mostrar o quanto entendo de marketing. Foi também o mais barato de produzir e o que exigiu menor volume de preparação e trabalho. Mas, se você quer saber quanto de fato me custou, vá a Ripley e visite o túmulo de meu filho. Acho que é também por isso que foi um álbum tão popular; creio que as pessoas queriam mostrar sua solidariedade, e aqueles que não conseguiram encontrar outra forma compraram o álbum."
Eric mostrou que, apesar de toda a dor que você possa sentir, sempre podemos seguir, tirar a lição que deve se tirar e viver, com a certeza de que um dia tudo vai ficar bem. A canção foi muito bem acolhida, sendo um dos maiores sucessos da carreira de Eric e lhe rendendo três prêmios Grammy: Canção do Ano, Gravação do Ano e Melhor Performance Vocal Pop Masculina. "My Father's Eyes" e "Circus" (como ficou conhecida depois) tiveram seu lançamento oficial no álbum Pilgrim, de 1998. E após todos estes anos, em 2004 Eric resolveu aposentar "Tears in Heaven" e "My Father's Eyes" (a terceira canção não era frequentemente tocada nos shows), explicando:
"Eu não sinto mais a dor, que é muito uma parte de tocar estas canções. Eu realmente tenho que me conectar com os sentimentos que tinha quando eu as escrevi. Eles se foram e realmente não quero que voltem. Minha vida é diferente agora. Elas provavelmente precisavam de um descanso e talvez eu volte com elas com um ponto de vista diferente."
Eric provavelmente a aposentou para não sentir mais a mesma dor que sentia quanto lembrava de seu filho e talvez até para não banalizá-la. E de fato é uma canção que deve ser tocada apenas para se ouvir com a alma e o coração - pois foi de lá que ela saiu e é para onde deve ir sempre que for ouvida. Que o pequeno Conor esteja muito bem pra onde quer que tenha ido e que esteja muito feliz por imenso bem que fez para seu pai.